Um monólogo do Brasil

- Deitado eternamente em berço esplêndido... Não sei de onde tiraram isso.... “deitado eternamente”? Todo dia eu preciso acordar e me levantar, até nos feriados...
E quanto ao berço... sem comentários, já tenho mais de 500 anos.
- Mas voltando para a minha rotina... é exatamente assim..... todos os dias, me levanto bem cedinho... tomo um bom café e vou vivendo.
- Às vezes escolho os caminhos mais bonitos, me encanto com minha natureza, com as formas do relevo. Gosto de ver o verde da Amazônia, de respirar o ar puro de ouvir o barulho das águas doces de rios e cachoeiras. Mas gosto igualmente do barulho das ondas do mar ao encontrar a faixa de areia, tanto quanto dos galhinhos de árvore que se quebram no chão ao se desbravar por uma trilha no meio de uma serra.
- De barulhos em barulhos eu passo o meu dia. A trilha sonora a mais diversa... forró, maracatu, sertanejo, funk, samba, pagode, mpb, frevo... e vou ouvindo tantos sons que embalam as vidas. E quantas vidas... mais de 180 milhões vivem em mim. Se você quiser saber quem é natural de minhas terras.... procure um negro, ou uma ruiva, um loiro ou uma mulata, pode ser também um com traços orientais, ou ainda alguém que tenha um pouco disso tudo.
- Com tanta variedade, não sei se conseguirei explicar de fato uma “rotina”. Mas só sei que acordo, todos os dias acordo. E quando vejo estou em uma rede, mas posso estar também em uma king size, como também no chão de uma casa simples, ou em uma calçada, que, num improviso, se tornou a minha cama.
- Eu acordo de manhã e observo as minhas crianças. Umas vão para escolas, outras ainda dormem, tem aquelas também que já sentem o peso de trabalhar arduamente. Em suas casas algumas, são cuidadosamente educadas por pais presentes. Mas vejo também histórias que já nos primeiros anos de vida são marcadas por traumas e problemas de lares desestruturados.
- Os dias vão seguindo o seu curso. O ritmo varia. Nas minhas maiores cidades, grandes centros urbanos, há uma pressa implícita que permeia a população. Entre as buzinas e sons de carros, nessa época do ano é muito provável encontrar umas pessoas, jovens, sabe? Pintados, pedindo dinheiro nos sinais – esses são os meus universitários. Dizem que são o meu futuro. Mas não sei se posso ter esperança. Em uma universidade qualquer, vejo jovens se drogando, embebedando, aprendendo a ser espertos e sempre se dar bem. Não conheço muitos que estejam realmente interessados no meu futuro.
- Há um individualismo tão grande, que às vezes eu esqueço que existo, pois cada um está apenas pensando em si. Não sei qual o sentido de tanto estudo, na prática vejo tudo tão diferente.
- Ah por este solo, por minha história, já se passaram tantas pessoas. Tanta gente, minha gente. Pessoas revolucionárias como Gilberto Freire, talentosas como Drummond. Mas foram tantos que já se foram e só restaram seus escritos e ideais que ainda relutam em sobreviver pela força de alguns. Mas por quê? Por que com tanta gente boa, a minha história tem caminhado desse jeito? Já tive filhos tão corajosos, que lutaram para enfrentar um sistema opressor. Tudo parece tão ... difícil de ser mudado.
- Mas não se preocupe, eu sou um país cristão. Ainda posso recorrer a Deus. Sobre os cristãos. Bem não sei dizer exatamente, a maioria deles eu vejo em igrejas, das mais variadas, com imagens, sem imagens, enormes, minúsculas, luxuosas, simples. Os vejo cumprir alguns rituais. Vejo alguns que conversam com outras pessoas e compartilham sobre o amor de Deus. Esses crêem ser essa a esperança para uma nação melhor.
- Eu tenho muita diversidade, e nessa área não é diferente. Tem tantos acreditando em tantas religiões, seguindo caminhos diversos, que dizem levar a Deus. São tantas maneiras criadas para isso, que parece ser algo muito complicado, chegar a Deus.
- No meio de tantas cores, credos, classes sociais, culturas, pensamentos, quem se importa, realmente com o meu futuro, com o futuro dos filhos do meu solo que estão aqui e daqueles que ainda virão?
- Aí quando as coisas se complicam, eu continuo vivendo, escolho de novo aqueles caminhos bonitos e tão inspiradores, percebo a natureza exuberante que minhas terras exibem, evidências de um Criador.
- Quem se importa? Eu sei que Ele se importa.

Comentários

Muito legal seu texto!!! Realmente..."Deitado em berço esplendido?" Da onde tiraram isso??? Boa reflexao!!! Deus abençoe!
Leonardo disse…
Puxa, Carol, seu texto é muito bom mesmo. Que bom que você colocou aqui. Fui eu que sugeri, né?

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